Editorial
DOI:
https://doi.org/10.62248/chvggj50Resumo
Com muita alegria, tenho a honra de apresentar a 31ª edição da Revista Gralha Azul, continuidade de uma trajetória dedicada à produção de conhecimento e ao debate jurídico qualificado desde 2021.
Esta edição reúne um mosaico de experiências e fundamentos que, vistos em conjunto, apontam para uma mesma virada: a passagem do Judiciário centrado na sentença para uma justiça de diálogo, corresponsabilidade e resultados socialmente verificáveis. Do desenho institucional capilarizado do TJPR à lente habermasiana da legitimidade dos acordos; da mediação ambiental voltada a populações vulnerabilizadas à fraternidade como vetor hermenêutico; da cultura de paz nas escolas e nas eleições ao uso responsável de tecnologias digitais em ODR e IA; dos litígios estruturais fundiários aos conflitos sofisticados do agronegócio — os artigos aqui publicados convergem em um princípio simples e exigente: pacificar é transformar.
No artigo “Cultura de pacificação no Judiciário brasileiro: a transformação dos conflitos a partir da atuação da 2.ª Vice-Presidência do TJPR”, Fábio Haick Dalla Vecchia defende que a transição do paradigma adversarial para um paradigma dialógico — centrado em mediação, conciliação e justiça restaurativa — não é um adereço procedimental, mas política pública constitucional.
Em “A autocomposição e o interesse público no direito brasileiro: perspectivas, desafios e a tutela da vulnerabilidade em face dos direitos fundamentais”, Jorge Campanharo reflete sobre a compatibilidade entre autocomposição e interesse público no direito brasileiro. O texto sustenta que conciliação e mediação não são apenas mecanismos privados de resolução de litígios, mas instrumentos que atendem também à coletividade, sobretudo quando envolvem direitos fundamentais de grupos vulneráveis. O desafio, segundo o autor, está em equilibrar a autonomia das partes com a preservação do interesse público, assegurando soluções dialogadas que respeitem a Constituição e reforcem a legitimidade democrática do sistema jurídico.
No ensaio “A conciliação à luz da ética discursiva: brevíssimas anotações sobre Habermas e a legitimidade dos acordos consensuais”, Jéssica Menzyski Markus reposiciona a conciliação judicial como espaço normativo de reconhecimento e reconstrução moral, e não mero instrumento de gestão de demandas.
Luiz Henrique Sormani Barbugiani examina a “Comunicação Não Violenta não apenas como técnica de gestão de conflitos”, mas como prática espiritualizada de convivência, que valoriza empatia, reconhecimento e diálogo. O autor traz grandes inspirações como eferência ao pacifista Mahatma Gandhi, e noções gerais sobre espiritualidade.
Em “Mediação em matéria ambiental como uma forma de efetividade de justiça para minorias étnico-raciais: a experiência do NUCAM/MG”, Luiz Henrique Santos da Cruz e Manoela Mel Oliveira Koga defendem que a mediação ambiental é via concreta de acesso à justiça para populações vulneráveis — especialmente grupos étnico-raciais afetados por racismo ambiental — ao contornar barreiras estruturais do contencioso (custos, morosidade, assimetria informacional) e ancorar-se em marcos normativos nacionais e internacionais (CRFB/1988; Lei 13.140/2015; diretrizes da UE; Carta da ONU), com foco na participação, simetria e soluções consensuais tecnicamente justificadas; o estudo de caso do NUCAM/MG mostra um desenho institucional extrajudicial (TACs, recomendações, análise técnica de licenças) capaz de articular múltiplos atores e acelerar reparações, com resultados reportados como expressivos (86,3% de êxito em casos acompanhados) e percepção ministerial crítica à capacidade do Judiciário de dar resposta tempestiva a litígios ambientais, sugerindo um modelo replicável para democratizar a tutela ambiental e recentrar a política pública na proteção efetiva de comunidades historicamente discriminadas.
Barbara Lucia Tiradentes de Souza e Elisangela Veiga Pontes, em “Roupa suja se lava em casa: a mediação como caminho de pacificação para o amor que acabou”, defendem que a judicialização dos conflitos familiares — movida pelo modelo adversarial — tende a amplificar danos emocionais, cristalizar ressentimentos e atingir de modo particular as crianças, ao passo que a mediação oferece um caminho mais ético, humanizado e eficaz de desjudicialização: um espaço de escuta ativa, corresponsabilidade e reconstrução relacional, alinhado à Política Judiciária de autocomposição (Res. CNJ 125/2010) e ao ambiente institucional de práticas restaurativas (Res. CNJ 225/2016).
Anderson Ricardo Fogaça situa o processo eleitoral como campo fértil tanto para a violência simbólica quanto para a semeadura da paz, no artigo “A Campanha Da Paz Como Instrumento De Pacificação Nas Eleições, Sob Uma Ótica Da Cultura Da Paz E De Leonardo Boff” Inspirado na teologia libertadora de Leonardo Boff e nos princípios da cultura da paz da UNESCO, o artigo sustenta que campanhas pacifistas em períodos eleitorais podem ser mecanismos eficazes de despolarização, de educação cívica e de reconstrução da confiança social, transformando a arena política em espaço de cidadania e não de hostilidade.
Em “Mediação, conciliação e autocomposição nos Juizados Especiais: perspectivas para a efetividade do acesso à justiça”, Fabiano Machado da Silva e Alexandre Almeida Rocha situam a autocomposição como eixo de reforma prática do sistema de Juizados (Lei 9.099/1995), articulando o marco normativo — CF/1988, Resolução CNJ 125/2010, Lei 13.140/2015 e CPC/2015 (distinção entre mediação e conciliação) — à crise de efetividade do Judiciário (litigiosidade massiva) para sustentar que negociar com método, qualidade e garantias produz respostas mais adequadas, reduz sobrecarga e pacifica com celeridade e baixo custo.
Em “A fraternidade como princípio jurídico e fundamento da pacificação social”, José Laurindo de Souza Netto resgata a fraternidade do plano moral e a eleva a princípio jurídico com eficácia normativa no constitucionalismo de 1988.
No artigo “Cultura de Paz e Justiça Restaurativa como estratégias de enfrentamento da violência escolar em Pato Branco/PR”, Chaiane Ferreira de Souza, Fernanda Carolina Oliveira Mello Polsin e Letícia Silvestre Bettiollo articulam diagnóstico empírico e proposta pedagógico-institucional.
Em “Mediação Online e Inteligência Artificial no TJPR: riscos éticos e fundamentos filosóficos da pacificação digital”, João Paulo Ishisato, Luiz Antonio Ferreira e Lara Helena Zambão examinam a incorporação de ODR e IA no TJPR — impulsionada pela Res. CNJ 125/2010 e pelo ecossistema Justiça 4.0/PDPJ-Br — destacando o crescimento expressivo das audiências virtuais e, ao mesmo tempo, os dilemas que a eficiência pode ocultar: vieses algorítmicos, exclusão digital, opacidade e desumanização do contato entre partes.
Fabrício Barbosa Barroso propõe um Judiciário que deixa de ser mero guardião abstrato da legalidade para assumir papel operativo na governança ambiental em “Desafiar o Antropoceno: a consolidação do Estado de direito socioambiental para a abertura à participação social nos litígios ambientais perante o Poder Judiciário”.
No artigo “Métodos consensuais para resolução de conflitos no setor do agronegócio”, Edna de Cássia Santos e Flávia Jeanne Ferrari argumentam que a sofisticação das cadeias do agro exige respostas céleres, técnicas e discretas — terreno no qual mediação e arbitragem desobstruem a justiça e restituem protagonismo às partes por meio do diálogo assistido ou da decisão por especialista independente.
Fábio S. Santos e Daniel Araújo Maia defendem em “A pacificação social por meio da perícia judicial no processo do trabalho” como instrumento eficaz do acesso à justiça, que a perícia judicial, especialmente no processo do trabalho, é elemento central para garantir a efetividade do acesso à justiça. Ao fornecer conhecimento técnico-científico indispensável à decisão, a perícia não apenas subsidia julgamentos mais justos, mas também reduz a litigiosidade, assegura direitos fundamentais e promove pacificação social ao conferir legitimidade e confiança às decisões judiciais.
No artigo “O processo estrutural em litígios fundiários coletivos: o caso do Jardim Cambeville/PR”, Luciene Zanetti e Patrícia Funabashi Jorge transformam uma antiga reintegração de posse em estudo-modelo de processo estrutural.
“Reintegração do apenado através da educação, direito assegurado para todos: um dever do Estado e da família que será promovida e incentivada pela sociedade” é analisado por Flávia Jeane Ferrari, Luciane Mariano Freitas e Douglas Angelo Ferrari, que trazem a educação como eixo estruturante da reintegração social da população carcerária. O artigo sustenta que, mais que política pública, o acesso à educação é dever do Estado, responsabilidade da família e compromisso da sociedade. A alfabetização, a formação técnica e o ensino superior em unidades prisionais são apresentados como instrumentos de pacificação social, na medida em que reduzem reincidência, ampliam perspectivas e reconstroem vínculos de cidadania.
Tais Martins, em “Obesidade e discriminação – entre a indolência legislativa e a pacificação social”, denuncia a omissão legislativa na proteção contra a discriminação de pessoas obesas, ressaltando como estigmas e preconceitos perpetuam exclusões em ambientes de trabalho, escolas e serviços de saúde. A autora argumenta que a ausência de marcos normativos específicos agrava a vulnerabilidade dessa população, sugerindo que a pacificação social exige políticas afirmativas e legislação protetiva que tratem a obesidade como questão de saúde pública e de direitos fundamentais.
Aprendemos com os textos a relevância do investimento em (1) formação supervisionada e permanente de mediadores, conciliadores e facilitadores, com ênfase em vulnerabilidades e vieses; (2) indicadores qualitativos (cumprimento espontâneo, satisfação informada, reparação de danos, redução de reincidência) ao lado dos volumétricos; (3) redes interinstitucionais estáveis que integrem justiça, escolas, universidades, terceiro setor e setor produtivo; (4) marcos de governança tecnológica que protejam direitos e ampliem participação; (5) expansão de práticas dialógicas em litígios estruturais e socioambientais, com participação social vinculante.
A Gralha Azul segue comprometida em publicar evidências, fundamentos e rotas replicáveis para que a cultura de pacificação deixe de ser promessa e se torne infraestrutura pública. Se há um fio a costurar estas páginas, é este: a justiça que escuta mais decide melhor — e decide melhor porque integra a transformação social no sentido da justiça.
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